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Ataques de animais domésticos e transmissão de doenças são desafios para a fauna silvestre

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Fotos: Divulgação IEF
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Filhote de lobo guará recebido no Cetas BH

 

A perda e a fragmentação de habitat, além dos diversos crimes ambientais, como tráfico, atropelamento e cativeiro irregular são algumas das inúmeras dificuldades enfrentadas, diariamente, pelos animais silvestres da fauna brasileira e do mundo todo. Além desses problemas causarem grande impacto na desses animais e, consequentemente, em ecossistemas inteiros, uma outra questão tem despertado a preocupação de analistas ambientais do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Dentre os animais silvestres recebidos nos quatro Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Minas Gerais, alguns deles têm chegado gravemente feridos e com doenças transmitidas por animais domésticos, como cães e gatos.

 

Os ataques aos animais silvestres têm resultado, desde leves escoriações até mutilações de membros. Além disso, a transmissão de doenças como cinomose e raiva levam alguns desses animais a óbito, principalmente quando filhotes.  Muitos também chegam aos Cetas com quadros graves em decorrência da aquisição de parasitas de cães e gatos, como vermes, pulgas, carrapatos e bichos de pé. 

 

Durante o processo de acolhimento nos Cetas, os animais silvestres recebem todos os cuidados necessários e são constantemente avaliados para estarem aptos ao retorno à natureza.  O Estado conta, atualmente, com três Cetas, localizados em Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira; Montes Claros, no Norte de Minas, e, em Belo Horizonte, onde a unidade é compartilhada com o Ibama, além de um Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) em Patos de Minas, que atende as demandas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

 

Apesar de receberem tratamento intensivo das equipes desses Centros, muitos desses animais não conseguem voltar ao seu habitat, devido às sérias consequências desse trágico contato com a fauna doméstica. A maioria desses cães e gatos vivem em sítios e fazendas, em regiões próximas a matas e unidades de conservação. O contato com a fauna silvestre chega a ser inevitável, principalmente quando o tutor do animal doméstico não o mantém saudável e distante dessas regiões. Dentre os animais silvestres que mais são atacados e adquirem doenças estão: os tamanduás-bandeiras e mirins, em seguida os lobos-guarás, os gambás, as raposinhas do campo, os cachorros-do-mato, ouriço-cacheiro, micos e aves das mais variadas espécies. A maioria desses animais está ameaçada de extinção. 

 

A maior preocupação dos analistas ambientais do IEF é em relação à preservação dessas espécies, já que a cada dia elas são desafiadas a enfrentar dificuldades para sobreviverem em um habitat que está a cada dia mais ameaçado. De acordo com a médica veterinária do Cetas de Belo Horizonte, Érika Procópio, além da gravidade dos ataques de animais domésticos, levando alguns dos silvestres a óbito, a transmissão de doenças tem sido mais uma grande preocupação. A cinomose é uma das doenças transmitidas por cães que mais tem acometido animais da fauna silvestre nos últimos tempos. Filhotes de tamanduás, lobos guarás e cachorros-do-mato tem sido o maior número de vítimas dessas doenças.

 

Por não apresentarem anticorpos e a falta de estudos científicos sobre esse tipo de situação, faz com que a atuação dos analistas ambientais no tratamento desses filhotes fique mais limitada. “Usamos o protocolo de tratamento que é feito para cães contaminados pela cinomose, mas nem sempre temos sucesso, principalmente quando esses filhotes chegam em estado grave para nós”, conta.

Érika alerta para a urgência do resgate desses animais quando encontrados em situações de vulnerabilidade, sejam em áreas que os coloquem em risco ou quando se encontram feridos. Ao se deparar com qualquer animal silvestre nessa situação, o cidadão deve imediatamente procurar o Cetas ou a Polícia Militar Ambiental da sua região. “O ideal é que esse animal tenha o mínimo de contato com animais domésticos, principalmente em clínicas veterinárias, para que o risco de contágio por doenças transmitidas por cães e gatos seja reduzido”, diz. 

 

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Filhote de tamanduá bandeira recebido no Cetas de BH

 

Tutor responsável para a preservação do meio ambiente

 

Os cuidados com animais domésticos em regiões rurais são essenciais para a saúde e vida do pet. Ter um animal de estimação exige do tutor tempo e dinheiro. Eles precisam da companhia durante muitas horas do dia, de uma boa alimentação, água fresca, vacinas, remédios em caso de doenças ou machucados, de idas regulares ao veterinário, entre muitos outros cuidados. Ao manter o animal doméstico saudável e seguro, principalmente em sítios e fazendas, o tutor preserva a vida do pet e, consequentemente, dos animais silvestres locais.

 

Conforme explica o médico veterinário José Begalli, do Núcleo de Fauna e Pesca da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), quando o calendário de vacinas é mantido em dia, o tutor evita com que o seu pet transmita e adquira doenças de animais silvestres. Esse impacto é de extrema relevância para manter a vida do seu cão ou gato e evitar com que a fauna silvestre tenha mais dificuldades em sobreviver em seu habitat. “É importante lembrar que os tutores não devem estimular cães e gatos para a caça de animais silvestres. Essa prática é crime ambiental, descrito no artigo nº29 da Lei de crimes Ambientais, nº 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998”, ressalta Begalli.

 

O contato cada vez mais próximo da fauna doméstica com a silvestre também tem resultado na transmissão de vermes, pulgas, carrapatos e bichos de pé. Dentre os animais silvestres recebidos no Cetras de Patos de Minas, de dezembro de 2019 até hoje, um ouriço-cacheiro não resistiu após ser gravemente ferido por cães. Um tamanduá-mirim também veio a óbito após acentuado quadro de verminose e um tamanduá-bandeira precisou ser eutanasiado após graves sequelas de cinomose.

 

De acordo com o médico veterinário do Cetras, Rafael de Barros, um tamanduá-bandeira aguarda mantenedouro de fauna, já que ele que não pode retornar à natureza, após sofrer graves lesões ao ser atacado por cães. O Cetras também recebeu mais cinco aves atacadas por esse tipo de animal doméstico. A veterinária do Cetas de BH, Érika Procópio, conta que a equipe de lá também lamentou, no ano passado, a perda de um filhote de lobo-guará e três tamanduás-bandeiras, em decorrência da cinomose. Neste ano, mais um filhote de tamanduá-bandeira, o qual a mãe foi atacada por cães e morreu, também veio a óbito por ter contraído cinomose e também apresentava muitos parasitas em seu corpo. Uma tamanduá-bandeira filhote que escapou de um incêndio e provavelmente também foi atacada por cães está em recuperação nesse Cetas. 

 

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Tamanduá bandeira recebido no Cetas de BH

 

De 2019 até o momento, o Cetas de Montes Claros perdeu uma raposinha do campo e um filhote de cachorro-do-mato, também por cinomose. A médica veterinária do Cetas de Montes Claros, Osmarina Santos, conta que quatro gambás, três micos, três cágados e um rapinante também foram recebidos no Cetas após sofrerem graves lesões por ataques de cães. A analista ambiental, Sarah Stutz, do Cetas de Juiz de Fora, conta que, em 2019, o local também perdeu um filhote de lobo-guará, após não resistir ao tratamento contra a doença do carrapato, causada por bactérias do gênero Ehrlichia, que, geralmente, acomete cães domésticos. Todas essas perdas poderiam ter sido evitadas se esse contato entre as faunas doméstica e silvestre não tivesse ocorrido e, também, se esses cães estivessem saudáveis. Neste ano, o mesmo Cetas precisou tratar uma maritaca severamente contaminada por giárdia, um protozoário parasita do intestino. O animal estava em cativeiro irregular, em um ambiente doméstico. Felizmente ela sobreviveu ao tratamento.

 

Apesar de todos esses ataques terem ocorrido por cães, os veterinários de todos os Cetas de Minas Gerais contam que gatos domésticos também são responsáveis por ataques a animais silvestres, principalmente às aves. Além das vacinas estarem em dia, a vermifugação também é essencial para a saúde do animal e, também, de humanos. Algumas das doenças são consideradas zoonoses, ou seja, podem ser transmitidas para humanos. O tutor responsável deve ter ciência sobre quais são as vacinas obrigatórias para o seu cão ou gato e, se possível, investir, também, nas vacinas não obrigatórias para ter mais proteção para o seu pet e para toda a família. 

 

Sobre a Cinomose canina

 

É uma virose altamente contagiosa, causada por um vírus da família Paramyxoviridae, do gênero Morbillivirus que acomete principalmente cães jovens, e tem sintomas clínicos de diarreia, pneumonia, hiperqueratose de coxins e plano nasal, secreção ocular, e alterações neurológicas. Tem alta taxa de mortalidade e sua prevenção é a vacinação.

 

O cão é o principal reservatório para o vírus da cinomose, e serve como fonte de infecção para os animais silvestres. Os sintomas neurológicos, e as demais alterações clínicas, variam muito de um caso para o outro.  Quando a doença afeta o sistema neurológico dos cachorros o quadro já pode ser considerado bem grave. Consequências como paraplegia e tetraplegia podem ocorrer, assim como um quadro de coma (que, na maioria dos casos, evolui para a morte do animal em pouco tempo). O tratamento, em geral, é de suporte, mas, quando o diagnóstico é precoce é possível ter sucesso. Diante da gravidade da cinomose em cães e animais silvestres, o mais importante é o tutor se prevenir, mantendo a vacina do seu cão em dia.

 

Abandono de animais próximo às unidades de conservação

 

A Organização Mundial da Saúde estima que só no Brasil exista mais de 30 milhões de animais abandonados, entre 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães. Muitos desses animais têm sido encontrados nas unidades de conservação do Estado. Além de passarem muita fome e sede, adquirirem e transmitirem doenças e ficarem traumatizados, ao serem abandonados próximo ou em áreas de preservação ambiental, causam impactos ao meio ambiente e grande desequilíbrio ecológico. Além de demarcarem território, inibindo o trânsito da fauna nativa e reduzindo mais ainda o seu espaço, para matar a fome eles caçam filhotes de animais silvestres, por exemplo.

 

No Brasil, o abandono de animais é crime federal e em Minas Gerais já tem um decreto regulamentado que pune os praticantes de maus-tratos contra os animais no estado. São classificados maus-tratos atos ou omissões que privem o animal de suas necessidades básicas, lesão ou agressão, abandono, exposição em locais desprovidos de segurança, limpeza e desinfecção, dentre várias outras situações.

 

Manejo e conservação

 

Durante todo trabalho de acolhimento e reabilitação dos animais silvestres, os analistas ambientais aproveitam para estudar sobre as espécies, até estarem saudáveis e preparados para envio às áreas de soltura do Projeto Asas (Áreas de Soltura de Animais Silvestres). As informações são essenciais para manejo e conservação em outras localidades. De acordo com a diretora de proteção à fauna do IEF, Liliana Adriana Nappi Mateus, as ações do IEF têm propiciado a soltura de uma média de 55% do total de animais recebidos. Ela também explica que algumas espécies necessitam de tempo maior de reabilitação para a soltura. Em 2019, 6.928 animais foram recebidos em todos os Cetas de Minas Gerais e 3.640 retornaram ao seu habitat natural. Neste ano, os Cetas já receberam, até maio, 2.421 e 1.350 foram reintroduzidos em seu ambiente natural.

 

O Asas é uma parceria entre o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e as organizações não governamentais (ONGs) Waita Instituto de Pesquisa e Conservação e a Águas Vivas Socioambiental. Em todo o Estado são 51 áreas cadastradas junto ao IEF e aptas para soltura.

 

Viviane Lacerda
Ascom/Sisema

 

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